23 setembro 2008

Das crónicas dos filhos de Deus

Revoltam-se as ovelhas no rebanho, há um certo cheiro a reviralho no ar, coisa nunca vista, os crentes contra os outros crentes, aqui não há incréus, nem sombra de divisões extremadas pelo menos por enquanto, que somos todos filhos de Deus embora uns mais próximos da sua direita do que outros, mas também é razoável pensar-se que pura e simplesmente não lhe cabem todos no regaço e se coubessem milagre seria que assim remédio outro não têm que dividir-se em alas e alinhar por alturas que é assim, de métodos que tais, que se disciplina a tropa fandanga e mesmo a mais reluzente.

Não é novidade embora não chegue o cronista ao exagero de botar na escritura que era assim desde o começo do mundo, no princípio era o Verbo, mas isso já foi há muito tempo, tanto que ninguém se lembra já provavelmente sequer do que almoçou na passada semana. Os factos, e só temos uma versão deles, dizem que a população se zangou com o Padre da freguesia, zanga séria, parece que sim, pelo menos assim o escutei de gente insuspeita e incapaz de me mentir, digo eu, que eu cá não ponho as mãos no fogo por ninguém, de boas intenções está o inferno em overbooking.

O povo parece que se zangou, reparem no parece, sou eu a amenizar os factos, a dourar a pílula, a encanar a perna à rã, a adoçar o vinagre; zangou-se, não deve ter sido coisa de um só minuto, as zangas são como os males fatais, começam por uma coisa de nada, uma comichão, um sinal e depois, se não é o mal atalhado lá se vai um braço, uma perna, enfim, o leitor imaginará o resto que tarde se faz já e quem me lê é mocinho para ter alguma pressa. O povo zangou-se e expressou a sua ira no pior dos momentos, sim, que o povo é capaz de ser bruto avonde, capaz de passar do varapau à festa nos caracóis da criancinha a quem foram impostas as angélicas asinhas, imagine-se a afronta, zangou-se precisamente em plena procissão, ia a santa no andor, estralejava o morteiro e vai daí, na sua imaculada subtileza, puxa o povaréu do lencinho de assoar e desata a acenar como se a santa se fosse embora para não mais voltar, só os ingénuos pensaram que a farroupilha acenava à santa, erro vosso, tarde tendes piado, Inês é morta, não era para a santa, era para o padre.

Das razões desta zanga entre as gentes e o delegado de Cristo na terra, não quero nem saber, são contas de outro rosário, avé-marias de outras novenas, versículos de outros salmos e por amor de Deus calem-me o gajo quando não para o Natal ainda aqui estamos que ele conhece as preces quase todas. Está nesta altura o padre completamente ofendido, zangado também ele pois claro, dizem que teve autorização de Sua Eminência o Bispo para se zangar In nomine Deo, sempre dá à cena uma luz mais etérea, à zanga um outro fulgor, quer a arraia bem saber da luz para além do que for devido às más companhias, sejam elas as da água ou do gás, dai-lhes Senhor o eterno descanso entre os esplendores da conta perpétua. E mesmo não querendo eu, por pena vossa que podeis estar obrigados pelo escasso tempo que tendes a ler estas letrinhas mais pela bissectriz, mesmo não querendo eu saber das razões da zanga, fui obrigado a sabê-las e de gingeira entendendo vós a massa de que é feito o tipo que alinhavou estes parágrafos, se ele sabe, que remédio tendes vós se não saber também.

Pois espantai comigo ou talvez não, diz metade dos justos que a outra é pecadora, diz o roto ao nu que lhe falta um botão, a questão da terrena zanga tem a ver com mamas. Sim! Lestes bem, mamas, tetas, úberes! Dirão alguns de respectiva justiça clamando que o substantivo último é mal asado para a situação, sim, tendes razão porém não toda, úberes são as glândulas mamárias de alguns animais, não generalizemos sob risco de pecar, mas é aqui mesmo que a porca torce o rabo, há defensores de ambas as facções, guerrilheiros das duas causas, aqueles que acham que ir para a devota procissão mostrar implantes e peitos naturais não é consentâneo com a solenidade do momento, sendo mesmo algumas apodadas de vacas, substantivo que se reune em manadas, mas leva-nos de volta ao ponto de partida que é o que a mim me interessa pois sou eu que tenho de tecer esta toalha pois a vós (e a alguns netos) cabe o mister mais fácil e prazeiroso, o de apenas ler, isto para aqueles que eventualmente o tenham conseguido aprender, o que nos tempos que rolam não é trunfo de que todos se possam gabar de ter no baralho, perdoe-me algum fanhoso a dificuldade de descodificação do período.

Estamos nisto, o padre que proibiu o decote e por consequência a exposição mamária à inclemência dos elementos, sendo que os elementos são muito voláteis, sabeis, e se não sabeis, imaginai, como é difícil um homem não cair em tentação e trocar os olhos, pior seria trocar o passo, devagar com o andor que os homens andam baralhados. Não se ficou apenas por isto o jovem cura, é de um jovem cura que falo, não cuideis que descrevo o Matusalém, se bem que o Matos além também parece olhar de lado, mas não é caso de cuidado, o Matos é mesmo estrábico e fogem-lhe os faróis cujos focos se entrecruzam, não passaria na inspecção, mas aqui alinha com os outros e mesmo estrábico come pela mesmíssima medida daqueles que o não são. Uma coisa é certa, o andor tem de seguir a passo certo e ritmado, nada de mamas que venham para aqui desafinar a banda que por sinal marcha atrás do andor e do pálio, uma procissão é uma procissão, coisa séria e de respeito, o povo vem lá atrás, engalanado e domingueiramente vestido, elas é que parecem ter abusado da sua própria sorte. Perco-me, pudera, é tanta gente, tanto peito farto, médio ou minguado, exibicionista ou discreto que um homem não é de ferro, a procissão dobra uma esquina, as ruas desdobram-se e são colchas, grinaldas, foguetes tudo em coro com a banda que toca música apropriada à função, se bem que em terra de touros ali não calhassem mal uns compassos de "Paquito El Chocolatero", tomai e ouvi todos que é grátis e o saber lugar não ocupa disse-me o meu primo Manel enquanto comprimia seis metros da Enciclopédia Luso-Brasileira numa estante que só de prateleiras tinha apenas quatro.

Temos como certo que para o ano as mamas demasiado ostensivas não terão lugar na procissão da festa anual, só isto deixará certamente de fora uma carrada de wonderbra e nem falo de enchumaços, silicones e outras artimanhas visuais em que se babam os tolos. E mini-saias também estão banidas, haja decoro, isto não é uma discoteca ou salão de baile, locais que me dizem o cura também frequenta, mas tal como Moisés há que ter arte na separação das águas, que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

A última verdade do dia terá vindo do queixume de F. militante da facção pró-mamária que me diz "O Padre antigo não era destas coisas de proibir e olhe que era bem mais velho!". Assinto, e fico a pensar que porventura ao velho padre cura lhe faltaria já a acuidade visual devido à avançada idade e isso como sabeis, tem tudo a ver com o discernimento que fazemos das coisas.

13 comentários:

Anónimo disse...

pax vobiscum

Ana Ferreira disse...

Esperemos que o resto não demore tanto como a história da Rosalina da qual nunca soubémos o final... humpffffffff

filipe m. disse...

Bless you!

m.camilo disse...

Mas que bela forma esta de informar que o Manel foi ao Ikea e que o meu homónimo Matos é vesgo....cum carago!

Há mais?....hummm? Claro que sim!

Pedro Aniceto disse...

Em verdade, em verdade te digo, era gajo para ficar nisto mais quinze dias, mas isto era apenas um delírio. Assim ao género de "Olhai os delírios no campo"...

Ana Ferreira disse...

Ah bom não sofremos muito, agora giro giro era ficarmos a saber o resto da história da Rosalina......

Ricardo Antunes disse...

o caçador de pérolas anda distraído...

Não re"lesteis" bem o texto pois não?

;)

Anónimo disse...

A questão não tem nada a vêr com a procissão como quem o informou bem deve saber, e muito menos com mamas ou têtas ou o que lhes queira chamar.

Pedro Aniceto disse...

A melhor prova de que pouca gente leu este texto é que eu já corrigi duas ou três que vi terem passado, mais uma ou duas que me apontaram... ;)

Pedro Aniceto disse...

Oh meu amigo, sou todo ouvidos!

filipe m. disse...

Oh meu amigo, sou todo ouvidos!

Não deveria ser "ouvídos"?

Ricardo Antunes disse...

Claro que não filipe...

...era "oividos"!

Quanto à tua questão, Pedro, de poucos o terem lido, talvez estivesses um pouco mais barroco do que é habitual.

Mas ficará certamente para a história (nem que seja apenas a deste blog) a magnífica série de trocadilhos que aqui desfiaste e tão bem ligaste novamente!

Adorei especialmente esta sequência:
"Está nesta altura o padre completamente ofendido, zangado também ele pois claro, dizem que teve autorização de Sua Eminência o Bispo para se zangar In nomine Deo, sempre dá à cena uma luz mais etérea, à zanga um outro fulgor, quer a arraia bem saber da luz para além do que for devido às más companhias, sejam elas as da água ou do gás, dai-lhes Senhor o eterno descanso entre os esplendores da conta perpétua."

Anónimo disse...

Opá! Acrescentas seios ao texto e nem avisas... Raios! Quase que me passavam ao lado... salvo seja...